Sonhamos com um mundo onde a homossexualidade e a heterossexualidade não sejam mais argumentos, onde a escolha no amor e no sexo seja finalmente um fato privado, onde ninguém ouse utilizar a opção sexual para levantar cercas e distribuir desvantagens ou privilégios. Podemos fazer isso, é só uma questão de tempo. Fiquemos atentos à nossa linguagem: as palavras são importantes.
A opinião é da psicanalista italiana Marina Valcarenghi, em artigo publicado no jornal Il Fatto Quotidiano, 16-06-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"Um colega meu da universidade, gay, toca divinamente o clarinete."
"Por que você me diz que ele é homossexual?"
"Bem... assim, por dizer." Depois o meu paciente continua com suspeita: "Por que você me faz essa pergunta?"
"Porque eu não acredito que você diria: 'Um dos meus colegas da universidade, heterossexual...' etc. Por que essa marcação da diferença?"
"Eu não sou homofóbico."
"Eu não disse isso, eu disse que você marcou uma diversidade de orientação sexual em uma frase que não a exigia. Como se eu dissesse: 'Uma amiga minha lésbica cozinha o cuscuz muito bem'."
"Mas todo mundo faz isso!", protestou o meu paciente.
"É verdade, eu acredito que, em muitos casos – como no seu –, se trata de um automatismo induzido pela imitação, ou mesmo de uma afirmação inconsciente de abertura à diversidade, mas, de fato, talvez sem nem saber ou querer, confirma-se um estigma."
Um amigo meu me disse: "... no fundo, eu sou um gay de 60 anos..."
"Você é um homem de 60 anos", disse eu, com toda a doçura que sentia.
"Sim, você tem razão... Nós nem percebemos mais isso. Colocam um rótulo sobre você, e você o mantém, e dá no mesmo agitá-lo como uma bandeira. Eu sei que é uma bobagem. Não é nem uma marca, nem uma bandeira. É um modo de ser."
Eu e esse meu amigo, como muitos outros, sonhamos com um mundo onde a homossexualidade e a heterossexualidade não sejam mais argumentos, onde a escolha no amor e no sexo, não raramente também mutável ao longo de uma vida, seja finalmente um fato privado, irrelevante na amizade, no trabalho, no esporte, na arte, na política e em qualquer outro lugar, onde não sejam mais necessárias manifestações carnavalescas e zonas separadas, onde ninguém ouse utilizar a opção sexual para levantar cercas e distribuir desvantagens ou privilégios.
Podemos fazer isso, é só uma questão de tempo. Fiquemos atentos à nossa linguagem: as palavras são importantes.
Fonte:http://www.ihu.unisinos.br/noticias/532459-nem-homo-nem-hetero-pessoas
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