terça-feira, 24 de junho de 2014

COPA - Um belo depoimento.

 Deficiência e Preconceito

Terra Magazine
23/06/2014

Antes mesmo do acidente que me deixou paraplégico, há cerca de três meses, já havia decidido retornar a escrever aqui neste blog.

Da Redação
Antes mesmo do acidente que me deixou paraplégico, há cerca de três meses, já havia decidido retornar a escrever aqui neste blog. E nada mais oportuno do que falar sobre a polêmica envolvendo fotos que circulam na IInternet criticando cadeirantes que estão em pé durante o jogo, como se isso provasse que tratam-se de "picaretas".
Os treinos para o triathlon, visando fazer mais um Ironman (só que desta vez em minha Cidade, Fortaleza), que me tomaram o pouco tempo livre após o trabalho, tinham me afastado deste espaço, mas o atropelamento que sofri, quase no final de um treino de 100 quilômetros de ciclismo, acabaram antecipando essa decisão. O impacto que recebi de uma camioneta pelas costas, foi tão forte que tive uma lesão medular grave, diagnosticada como "completa" ficando paraplégico e sem o movimento ou sensação das pernas.
Desde então, é muita reabilitação e pensamento positivo. Além, claro, de muita solidariedade que recebo e recebi on e offline.
A minha decisão, entretanto, foi de encarar a reabilitação como se fosse um treino de triathlon, um novo Ironman e não desistir de voltar a ter uma vida considerada "normal", após a minha nova condição.
Após um mês já tinha já consegui voltar a nadar, o que ajudou bastante no meu lado psicológico. Hoje já estou dirigindo um carro adaptado, nado por cerca de uma hora (com uma bóia atada às pernas) e continuo minha fisioterapia diariamente. Treino e me esforço muito, pois sei que tenho os ombros e braços como as minhas pernas no passado.
Uma das maiores conquistas foi conseguir usar uma órtese, uma espécie de tutor longo que me faz ficar em pé por algum tempo, mesmo sem ainda – repito – mexer ou sentir as pernas. A estrutura dura, impede que os joelhos dobrem e com muito esforço, me equilibro por algum tempo, mas necessito de apoio pois o risco de uma queda é grande.
Esse preâmbulo todo é para explicar algo óbvio para pacientes e profissionais da saúde que tratam dos que têm algum tipo de lesão medular: alguns paraplégicos conseguem sim ficar em pé, a depender do nível de sua lesão medular e de sua condição física.
Por isso mesmo a maior alegria que eu tive em minha vida pós-acidente, foi ir ao jogo do Brasil e México na Copa do Mundo e conseguir ficar de pé, durante os breves minutos da execução de nosso Hino Nacional. E havia um motivo: eu participei da campanha que incentivou o público da Arena Castelão a cantar o hino à capela e abraçado, através de uma fanpage que administro no Facebook (Fb.com/FortalezaCE), que tem uma razoável influência em minha Cidade. Até os jogadores da Seleção, avisados da Campanha, pediram apoio para ela. Por isso mesmo, fui às lágrimas no dia do jogo, cantando e participando do evento mesmo estando paraplégico.
No percurso de ida e retorno, de ônibus, cruzei com vários deficientes, acompanhados de seus familiares e pude trocar experiências e era nítido em nós todos o sorriso por participar daquela festa. Alguma eventual prioridade, na fila do ônibus ou num assento reservado no estádio, não é "vantagem" ou "favor". Ë apenas a aplicação constitucional do princípio da Isonomia, tratar de modo diferente aqueles que têm necessidades diferentes. A Legislação infraconstitucional também garante, especificamente isto, vide o DEC 5.296/2004 (DECRETO DO EXECUTIVO) 12/02/2004 que regulamenta as Leis 10.048/2000 e 10.098/200. Pensar o contrário disso, é puro preconceito.
Não sofri nenhum tipo de preconceito nem tive minha foto em pé com as órteses exposta (pelo contrário, eu mesmo publiquei vídeo e fotos em meu perfil no Facebook, pois me orgulho disso), mas me coloco no lugar das pessoas que tiveram suas fotos expostas, na eventualidade de alguma (ou todas) ter também direito a ocupar aquele espaço específico. É de causar espécie ver muita gente se deixando levar pelo "senso comum" e metendo os pés pelas mãos ao postar fotos de cadeirantes em pé como se fossem "falso-cadeirantes" em jogos da Copa do Mundo.
Embora haja quem tenha a cara de pau de inventar uma deficiência para adquirir ingressos para uma Copa do Mundo, acaba incorrendo em erro parecido quem expõe alguém por simplesmente "achar" que trata-se de um caso de um "falso deficiente ou com mobilidade reduzida". Isso sem esquecer que deficientes e pessoas com dificuldade motora têm prioridade em eventos como a Copa do Mundo, com locais próprios para assistir aos jogos.
Enfim, fica a dica para a reflexão. Sei que é revoltante saber que eventualmente algum aproveitador possa utilizar-se de um arttifício, chegando a falsificar laudos e atestados médicos (o que prejufica principalmente a nós, deficientes), mas vale pensar antes de apontar, sob pena de contribuir-se ainda mais para estgmatizar quem já vive sob a égide do estigma.
Talvez há pouco mais de três meses eu também incorreria nesse erro terrível, compartilhando ou postando fotos de quem eu julgaria um "picareta" travestido de deficiente. Hoje, após passar por tudo que passei e descobri sobre lesão medular, me sinto obrigado a levantar a minha voz contra esses julgamentos sumários e possivelmente equivocados. Não há vantagem em estar deficiente, mas os não-deficientes têm uma rara oportunidade de ser gentis e tratar com mais respeito cidadãos que bravamente lutam diariamente com suas dificuldades e mesmo assim, ainda ousam viver com alegria em sociedade.

Fonte: http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=41156

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