Por ocasião do Dia Mundial do/a Doador/a de Sangue, 14 de junho, Marilene Maia, professora da Unisinos e colaboradora do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, atesta que a doação de sangue "é uma trilha potente para a formação e o exercício da solidariedade e da cidadania".
Marilene Maia, doutora em Serviço Social, é professora da Unisinos e coordenadora, no Instituto Humanitas Unisinos - IHU, do Programa Observatório da realidade e das políticas públicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos.
Eis o artigo.
14 de junho é o Dia Mundial do/a Doador/a de Sangue. Esta foi uma descoberta, em meio a muitas outras relacionadas à doação de sangue, promovida pela sensibilização de um dos meus filhos adolescentes para sua primeira experiência como doador.
Tudo isso aconteceu há poucos dias, quando fui solicitada a dar uma carona e autorizar meu filho em sua primeiradoação de sangue. Inúmeros foram os sentimentos a partir dessa solicitação. Em meio ao orgulho por esta atitude de sensibilidade a uma causa tão importante para a vida, foram se desvelando diversas questões: De onde veio esta ideia? Quais os critérios para a doação? Onde e quando doar? Quais as possibilidades e limites deste serviço que compõe as políticas públicas brasileiras?
Evidentemente que a memória foi ativada acerca das experiências de doação já realizadas, sempre com “endereço” certo, ou seja, a doação feita a partir da necessidade de pessoas conhecidas, em locais previamente indicados. Alguns critérios para a doação eram conhecidos, mas nem todos.
Ao dialogar sobre as motivações, os interesses e a organização para a doação de sangue do meu filho, tomei conhecimento de que esta é uma causa assumida por pessoas e redes sociais que curtem motos. Em meio às tramas de criação de motores e velocidades, a vida é valorizada pelos seus amantes, inclusive com campanhas de informação e coleta de sangue.
Equação que parece impossível de ser respondida diante dos desafios postos pelos crescentes números de acidentes, traumas e mortes ocasionados. Entretanto, há uma resposta na dialética, que apresenta as possibilidades como respostas aos desafios. Então, valorizei a rede social que sensibilizou meu filho para a experiência de doação de sangue e, a partir dela, todos os movimentos de reflexão sobre a VIDA.
Esta valorização ficou potencializada quando eu soube que quatro vidas podem ser salvas com cada doação de sangue. Outra informação importante é que as mulheres podem realizar três doações por ano, e os homens, quatro. Esta condição possibilita que cada doador homem proporcione vida a 16 pessoas a cada ano e cada mulher alcance vida a outras 12 pessoas. Trata-se de uma multiplicação potente à afirmação da vida, que está tão ameaçada nestes tempos de crise em que vivemos.
Com a confirmação do compromisso de viabilizar a doação espontânea, seguimos em busca dos critérios para esta ação. Importante dizer que adolescentes podem ser doadores a partir dos 16 anos, desde que autorizados pelos pais ou responsáveis. Esta condição se estende até os 60 anos no caso da primeira doação ou até 69 anos se houver repetição. Esta informação indica que uma grande parcela da população é potente doadora, no entanto, nem todos estão sensíveis ou aptos à doação.
Dessa forma, fica desigual a relação entre doadores e receptores de sangue. A recepção é universal, ou seja, o sangue pode se constituir em um elemento garantidor da vida para todos que dele necessitarem, porém a doação é bastante restritiva, seja pelo interesse, seja por condições de saúde, temporárias ou permanentes, dos possíveis doadores.
Isto determina que muitos bancos de sangue estejam com limites para os atendimentos. Reconhecer que a doação é uma prática possível para grande parcela da população, sem qualquer prejuízo para a saúde do doador, é fundamental. Questão informada nas inúmeras campanhas realizadas para isso; entretanto, sabe-se que elas são insuficientes para garantir o trabalho permanente e suficiente dos bancos.
Tal prática pode ser reconhecida como um bom termômetro dos padrões de civilização de uma sociedade, especialmente pela sua relação direta com a construção da cultura de solidariedade e de humanidade, que vai na contramão da cultura hegemônica vigente, que se impõe no individualismo e na mercantilização das relações.
Seguindo as buscas para a possível doação, foram feitos contatos com os serviços existentes em nossa cidade. Surpreendeu-nos a limitação dos horários oferecidos, que se restringem ao comercial. Sabe-se que as organizações e seus trabalhadores precisam ter condições de trabalho nos diferentes serviços e, também, nos bancos de sangue. Da mesma forma, os cidadãos doadores precisam de condições para esta prática, uma vez que, mesmo com as garantias legais de justificativa de ausência no trabalho e na escola, a condicionalidade de horários pode não garantir o acesso à doação.
Vislumbramos, com isso, que os horários de atendimento poderiam ser mais flexíveis, inclusive com ofertas de alternativas de acesso nos diferentes bancos de sangue da cidade, oportunizando, assim, maior possibilidade da presença de doadores nos equipamentos para coleta ao longo do dia e da noite. Esta condição ampliaria o número de doadores e asseguraria, quem sabe, o estoque suficiente nos bancos de sangue, que, conforme a informação recebida, seria garantido se uma pessoa em cada quatro doasse sangue a cada três meses.
No seguimento da trajetória para a doação, chegamos ao Banco de Sangue do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Identificamos uma fila de pessoas para o atendimento. O sentimento que tivemos foi ambivalente. De um lado, felizes pelo grande número de pessoas disponíveis para a doação. De outro, preocupados com o tempo necessário para viabilizar esta prática. Nas consultas feitas sobre o tempo necessário para a doação, constatamos que a indicação é de 50 a 60 minutos, sendo que pesquisas mostram que este tempo vem, ao longo dos anos, se reduzindo significativamente. No Rio de Janeiro, em 2001, o tempo era de 1h20min, e hoje alcança a marca de 54 minutos.
Bom, seguimos a trajetória indicada para a doação. Pegamos a ficha para o primeiro atendimento, que é na recepção do Banco. Ficamos 10 minutos à espera e, ao final do atendimento, que foi muito bom, recebemos a informação de que o processo todo estava demorado, justificado pelo número de pessoas ali presentes, e que poderia levar duas horas. Essa informação nos surpreendeu.
Eis mais uma dupla constatação, promotora de questionamentos: será que as fileiras de doadores estão aumentando ou o serviço não está preparado para garantir as condições mais qualificadas para o atendimento? Continuamos à espera e fomos aos poucos sendo atendidos, orientados e encaminhados para as etapas subsequentes à doação.
Reafirmamos que cada um dos profissionais e todos eles foram especiais acolhedores e cuidadores da saúde nos diversos procedimentos que confirmaram as diferentes etapas para a doação. Comprovação dos protocolos firmados pela política de saúde, que garantem a qualidade da coleta e, em decorrência, os demais procedimentos implicados à transfusão do sangue, que é um dos elementos potentes de/para garantia da vida.
Apesar das aproximações com informações prévias que nos orientaram na chegada ao Banco, não conseguimos avaliar as suficiências e insuficiências do serviço, já que não temos os conhecimentos técnicos, administrativos e financeiros necessários para a viabilização de todas as etapas da coleta e seus encaminhamentos. Identificamos, no entanto, que o espaço físico e o número de macas e equipamentos para a coleta poderiam ser maiores, assim como o número de profissionais para a viabilização do serviço. Essa poderia ser uma condição de maior agilidade do fluxo de atendimento e doação.
Identificamos que os bancos de sangue e os profissionais que atuam nesta área, pela sua importância para a garantia da saúde da população, poderiam crescer na sua valorização pelas políticas públicas. Entendemos que eles se impõem como estratégicos para atuar de forma permanente e extensiva junto à sociedade no seu papel de promotores da saúde, já que o sangue se constitui e representa um componente alavancador da saúde das pessoas e da população. A cultura da doação de sangue pode ainda ser afirmadora da cultura da vida, que é potente pela solidariedade e que pode ser materializada pela doação não só de sangue, mas de todos os órgãos vitais.
Vale dizer que, ao longo das horas de vivência no Banco, tivemos uma bonita experiência de convivência com doadores e trabalhadores do serviço. Havia no ambiente um “ar” de vida. Identificamos expressões de interesse e compromisso com a doação, com o cuidado e a qualidade da vida. Tudo tão simples e tão complexo. As trilhas dadoação de sangue têm relação direta com as trilhas da cidadania, que acontece quando garantimos e qualificamos a vida, que é de/para todos!
Esta narrativa é uma homenagem aos doadores de sangue e aos militantes desta luta pela vida neste dia 14 de junho. Agradeço especialmente ao meu filho, novo doador de sangue, que me oportunizou esta rica experiência de conhecer, analisar e publicizar um pouco da prática, do serviço e da política de doação de sangue. Esta é uma trilha potente para a formação e o exercício da solidariedade e da cidadania.
Fonte:http://www .ihu.unisi nos.br/not icias/5322 52-sangue- as-trilhas -de-uma-do adora-quat ro-vidas-p odem-ser-s alvas-com- cada-do
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