Segue a história de uma familia lutando contra a extrema falta de apoio social e de recursos pessoais para incluir sua filha deficiente auditiva em um contexto social de aceitação e produtividade.
DE SUSTO EM SUSTO
Vamos imaginar que você é o pai, ou a mãe de uma bela adolescente de dezoito anos, assediada pelos moços, de personalidade forte, que terminou o segundo grau como boa aluna, e quer serviço remunerado. No início do trabalho é comum que pais avisem quais são os comportamentos esperados, o que é diferente em relação à escola, qual a postura, vestimenta e conduta adequados, como usar o transporte, e muitos outros detalhes. Mas se sua filha tiver surdez profunda, desde meningite quase mortal, aos três anos de idade, fica muito complicado, não? Você até pode “colocar nas mãos de Deus”, mas vai ficar muito atento ao uso de celular (mensagem), em sigilo no quarto, as constantes hora-extras (solicitadas por quem?), aos horários de saída e chegada, e a súbita vontade de desmanchar o namoro atual e iniciar outro relacionamento com um colega de trabalho que você não conhece. Esta moça se chama Juliana, e sua mãe Maria conta sua luta - primeiro a meningite se instalando devagar, dificultando o diagnóstico, a criança acordando após quatro dias sem conseguir andar, sem equilíbrio. Voltando para casa, a percepção de que não respondia mais aos chamados. Pediatra, otorrino, exame de audição (BERA), confirmação da deficiência, sugestão de implante coclear (quando funciona bem, permite o reconhecimento sonoro da palavra), espera de seis meses pela necessária tomografia, constatação de calcificação do nervo auditivo. O implante seria inútil, ainda bem que Juliana queria entender a fala do irmão mais novo. Hoje ele é seu tradutor. Tratamento fonoaudiológico contínuo, buscando preservar o resíduo de fala e estimulando comunicação máxima possível, mesmo que a articulação ficasse defeituosa, e a voz difícil de compreender, sem entonação. A terapia aconteceu até aos quatorze anos, com os pais enfrentando muita restrição financeira para honrar os compromissos de seu tratamento enfrentando resistência para admissão na escola, bravamente defendida pela fonoaudióloga em seus direitos de inclusão. Hoje ela sabe um pouco de Libras, e acaba traduzindo para os ouvintes o que seus parceiros de surdez tentam comunicar nesta língua. A mãe decidiu trabalhar em casa, mesmo que fosse menos rentável, para poder monitorar esta moça, e cuidar de tudo que uma mãe de outros filhos, esposa e dona de casa cuida. Relata desgaste emocional, e muito medo em relação ao futuro – como cuidar? Como orientar? Forneço endereços de sites relativos a surdez, oriento Juliana a pesquisar junto com a mãe, buscando informações e grupo de pais para troca de experiências. “Fragilidade, o teu nome é mulher!” – William Shakespeare.
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