Ela fala muito, e rápido. Atribui à sua raiz caipira, “lá todos falam assim!”. Em meus pensamentos me pergunto se não é ansiedade. Estamos em um ponto de ônibus, aguardando um que leve um grupo de pessoas com deficiência visual para o terminal. Lá cada um deles achará o ônibus que os levará para casa. Acabaram o segundo curso do programa “Alimente-se bem”, do SESI, que atendeu o entusiasmado pedido deste grupo. Cada um segura orgulhosamente seu exemplar em papel do livro comemorativo pelos dez anos de existência do programa. Pergunto como aconteceu sua deficiência visual, e ela diz que foi em decorrência de cirurgia feita em seu crânio, para retirada de tumor cancerígeno localizado na parte frontal. Pega minha mão e coloca no início de seu cabelo curto e sinto uma depressão, ausência da proteção óssea. Há outra depressão importante na lateral da testa. Mas ela fala sorrindo sempre, e para cada assunto fica um sabor de gratidão pela vida. Acrescenta que esta foi a segunda operação, após a retirada dos dois seios pelo mesmo problema. Pergunto como chegou ao Centro de Prevenção à Cegueira de nossa cidade (ela é de Nova Odessa), e ela diz que pessoa amiga indicou, quando soube de sua perda de visão, seguida de fase depressiva que durou quase dois anos. Conta que neste período ficava triste, sozinha em casa, queimando as mãos quando tentava cozinhar. Com o trabalho da terapeuta ocupacional e da psicóloga foi reorganizando e reassumindo sua vida – hoje lava, passa, cozinha e limpa sua casa, além de comprar as roupas do marido e do filho que ainda vive com eles. Pede para a vendedora descrever a cor e o seu tato de ex-costureira verifica o corte, a qualidade das costuras e o acabamento. Pega seu ônibus sozinha, e vem feliz, para seus tratamentos, sua aula de pintura e de dança de salão. Após este trabalho múltiplo com sua deficiência, conta que sua vida mudou completamente. Ela e seu grupo querem mais um curso do SESI, a nutricionista Fabiana poderá atender a mais este desejo em outubro. Chega o ônibus. Ajudo todo o grupo, em fila indiana, a entrar. Algumas pernas têm dificuldade em encontrar a altura correta do primeiro degrau. Dirijo o movimento com minha mão. Preciso pedir para os demais “enxergantes” ao meu lado para que esperem todo o grupo subir. A porta se fecha, e observo alguns deficientes indo de pé, não foi oferecido assento. Ainda precisamos afiar mais nossa sensibilidade para com os limites do outro. Vamos lá! “Sei que algumas mudanças são tarefa para uma vida toda!”. Reinaldo Bulgarelli, educador brasileiro, atuante na área social.
Estudo mostra cicatrizes mentais do câncer
Um diagnóstico de câncer é capaz de deixar cicatrizes psicológicas tão profundas quanto as infligidas pelo envolvimento numa guerra. É o que indica uma nova pesquisa feita com pacientes. Mais de uma década depois de terem recebido a notícia do diagnóstico, quatro em cada dez sobreviventes relatam sintomas como excesso de tensão permanente, pensamentos perturbadores sobre o câncer ou enfraquecimento dos laços emocionais com amigos e parentes.
São características que se encaixam na definição de síndrome do estresse pós-traumático, problema psiquiátrico que normalmente afeta veteranos de guerra.
São características que se encaixam na definição de síndrome do estresse pós-traumático, problema psiquiátrico que normalmente afeta veteranos de guerra.
Segundo Sophia Smith, pesquisadora do Duke Cancer Institute, na Carolina do Norte (EUA), é concebível que o trauma atrapalhe o prosseguimento da terapia.
"Ficamos preocupados com a possibilidade de o paciente evitar os cuidados médicos e pular os retornos no consultório", diz. "Não temos dados que demonstrem isso, mas é uma preocupação constante para nós", afirma a autora do estudo.
Fonte: Folha de São Paulo
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