Lutando por uma causa
No dia 2 de abril de 2011, capitais brasileiras iluminaram de azul vários de seus monumentos como forma de chamar a atenção da população do País e do mundo para o autismo. Estatísticas apontam que, atualmente, para cada 110 crianças, uma apresenta TEA (Transtorno do Espectro Autista).
A relação da manicure Eufrásia Agizzio com o autismo começou há dez anos, quando o filho caçula Victor Agizzio Molina foi diagnosticado com a doença. Na época, ele tinha apenas dois anos. "Fiquei arrasada e chorei muito, até não ter mais lágrimas. Sentia-me perdida e completamente vazia. Passado o primeiro momento, da angústia e do medo, disse a mim mesma: 'A vida continua... Vamos à luta!'."
A partir daquele momento, a manicure revela que começou a se interar sobre o assunto. "Comecei a ler tudo sobre autismo; desde artigos, revistas, livros e filmes, que eu encontrava e que minhas clientes me traziam." Hoje, aos 49 anos, Eufrásia é presidente da AMAI (Associação de Monitoramento dos Autistas Incluídos), fundada por ela mesma em abril deste ano. Capixaba de Colatina, ela conta que vive há 25 anos em Santa Bárbara d'Oeste, onde cria os filhos Rodolpho, 13, e Victor, 11. Em um bate-papo especial com o TodaGente, Eufrásia conta a história de luta dela e de seu filho e fala também um pouco sobre o projeto de lei que poderá colocar o Brasil na vanguarda da luta contra o autismo. No dia 27 de junho, no plenário do Senado Federal, aconteceu uma sessão especial que teve a finalidade de comemorar a aprovação da PLS 168 /11 pelas comissões no Senado. O relator do projeto, senador Paulo Paim, fez o convite a todos os pais e entidades que representam o autista. A AMAI-SBO esteve em Brasília representada por sua presidente, Eufrásia Agizzio.
Qual é a sua história com o autismo?
No dia 31 de março de 1999, no Hospital Santa Bárbara, nasceu Victor Agizzio Molina, de parto cesárea. Pesou 3.205g e mediu 49 cm . Loirinho, lindo, de olhos azuis. Era meu segundo filho, com dois anos de diferença do irmão. Todo mês íamos ao pediatra e eu gostava de fazer as anotações no álbum. Assim eu poderia acompanhar seu desenvolvimento e comparar com o que havia escrito sobre o irmão Rodolpho.
Ao completar 8 dias de idade, como de rotina, levei-o ao pediatra. Jamais imaginei passar por uma situação como aquela: saí do consultório com um pedido urgente de exame de bilirrubina e o Victor foi internado no mesmo dia. É indescritível a sensação de não ter podido ficar no berçário com o meu filho. Senti como se tivessem tirado um pedaço de mim. Foram quatro dias de angústia; os mais longos da minha vida. Quando obteve alta do hospital, já não pude amamentá-lo, pois meu leite secara. Assim, adotei a mamadeira. Sua recuperação foi espantosa e, aos dois meses, ele pesava 6.100g. Era uma criança tranquila, tudo corria bem e seu desenvolvimento era normal.
Nas minhas anotações, escrevi que quando ele tinha três meses, ganhei meu primeiro sorriso. Aos cinco meses, ele se virava sozinho no berço e, aos oito, sentava-se e, também, acompanhava-nos com o olhar. Aos nove meses, resmungava 'dá, dá, dá...' e, aos dez meses, acabava meu 'sossego' (risos). Ele já ficava em pé, abria o armário, para jogar as vasilhas de plástico no chão e engatinhava da cozinha ao jardim. Mas ao completar um ano, algumas coisas começaram a me intrigar: porque, com um ano não saíra o primeiro dentinho e com um ano e cinco meses, não falava outra palavra além de 'mamã...'.
Foi nessa época que questionei o pediatra sobre a pouca comunicação verbal para a idade, ao que o pediatra me acalmou dizendo ser normal, que ele era uma criança inteligente e hiperativa e que falaria quando chegasse o momento certo. Ao completar dois anos, concluí que alguma coisa não estava certa e no dia 23 de abril de 2001, procurei uma fonoaudióloga para consultar o Victor. Após a consulta, a fonoaudióloga concluiu que ele tinha um vocábulo de uma criança de nove meses e precisava de estímulo. Ele necessitava de um tratamento de oito meses para depois pedir a avaliação de um neuropediatra.
Não concordei com o que ela disse e imediatamente procurei outro profissional, que solicitou de imediato a avaliação neurológica, para depois, com o diagnóstico, iniciar o tratamento. No diagnóstico feito pelo médico, a expectativa de que viesse a falar seria de quatro anos, o que, segundo ele, dentro dos padrões médicos, seria perfeitamente normal.
Ele andou com um ano e seu primeiro dentinho nasceu quando completou um ano e três meses. Ele não parava e subia em tudo: mesa, cadeira, cômoda... E teve uma considerável perda de peso.
Foi nessa época que começou a bater com a testa na parede, no chão, na geladeira... E o mais estranho era que não chorava; ignorava nossa companhia, nossos beijos (empurrava-nos), nossos chamados e vivia se escondendo dentro do guarda-roupa e da dispensa. Procurei um psiquiatra, que diagnosticou como autismo. Procurei outros profissionais e atendimentos especializados: Tempo de Viver, Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e um Neuropediatra (particular), pois decidi que não poderia aceitar somente o diagnóstico de um único profissional, afinal estava em jogo toda a vida do meu filho. A conclusão do diagnóstico se deu com os exames pedidos. Aos dois anos e nove meses, Victor tinha passado por quatro especialistas e todos foram unânimes no diagnóstico: autismo. Ou seja não havia qualquer problema congênito, hereditário ou adquirido que justificasse o quadro.
Há quanto tempo está à frente da instituição e como é o trabalho lá?
A AMAI-SBO teve sua fundação no dia 02 de Abril de 2011. Estamos dando nossos primeiros passos em direção a identificação do número de pessoas acometidas com a síndrome no município de Santa Bárbara d’Oeste, para em seguida lutarmos pelo diagnóstico precoce, atendimento especializado, inclusão dos portadores em escolas normais, adaptação do material escolar por pedagogas, tratamento multidisciplinar, recebimento de medicação gratuita, acompanhamento psiquiátrico, psicológico, fonoaudiológico, etc.
Quais são as dificuldades em se trabalhar com pessoas autistas? Há preconceito?
Uma das dificuldades é a falta de conscientização da existência do autismo. Este fato também se verifica na área profissional, onde quase não se encontram médicos, psicólogos, fonoaudiólogos com especialização em autismo. O preconceito existe, sim! Existe especialmente devido a falta de informação.
Recentemente a MTV teve que se desculpar por uma piada do humorista Marcelo Adnet, que mencionava uma tal "Casa dos Autistas", em alusão à "Casa dos Artistas". Você acredita que esse tipo de atitude é prejudicial às pessoas que sofrem com o problema ou houve exagero na repercussão do caso?
Acredito que nada acontece por acaso. A MTV é formadora de opiniões, e nós, que vivenciamos o problema no dia a dia, não podíamos permitir que circulasse pela mídia uma informação distorcida do que realmente é o autismo, uma vez que no Brasil, o autismo não é divulgado para a população, com as suas características reais. Em minha opinião, este episódio veio para ajudar a divulgar a existência desta síndrome, e que por detrás deste diagnóstico, existem famílias que sofrem sem saber quais recursos estarão disponíveis para este tratamento. Valeu também para que o problema venha a tona, uma vez que trata-se de doença que ainda estava sendo varrida para debaixo do tapete, para se evitar gastos públicos.
Quais sintomas podem ajudar os pais a descobrirem se uma criança possui algum grau de autismo?
Como comportamentos característicos do autista estão: não manter contato visual, não olhar nos olhos das outras pessoas; agir como se fosse surdo; resistir a mudança de rotina; conduta distante e retraída; não se aninhar, rejeitar carinho; indicar suas necessidades através de gestos; resistir a métodos normais de ensino; risos e gargalhadas inadequadas; aparente insensibilidade à dor; ausência de medo de perigos reais; hiperatividade física marcante e extrema; dificuldade em se misturar com outras crianças; ecolálico, repete palavras sem sentido aparente; crises de choro e extrema angústia por razões não discerníveis; forma de brincar estranha e intermitente e apego inadequado a objetos.
Existe um projeto de lei em pauta que pode rever a luta contra o autismo no Brasil. Como ele vai funcionar?
Está tramitando no Senado um projeto de lei que poderá colocar o Brasil na vanguarda da luta contra o autismo. O texto elaborado por diversas entidades ligadas a causa prevê a criação do Sistema Nacional Integrado de Atendimento à Pessoa Autista. Se aprovada, a legislação será a única no mundo a priorizar o autismo como caso de saúde pública em nível nacional, incluindo a capacitação de profissionais de saúde, a criação de centros de atendimento especializados, além de criar um cadastro nacional. No Brasil não há dados oficiais sobre a quantidade de portadores da síndrome, considerada epidêmica nos EUA.
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