terça-feira, 16 de setembro de 2014

Senhora dos recordes

Arquiteta aposentada, Nora Tausz Rónai, aos 90 anos, coleciona marcas inéditas nas piscinas mundo afora

Nora Tausz Rónai tem duas filhas, quatro netos, seis bisnetos e três recordes mundiais de natação.
Os herdeiros e descendentes ela gerou ou viu nascer ao longo das últimas seis décadas; já os recordes vieram todos de uma vez, agora há pouco, meses depois de a elétrica senhora ter completado os 90 anos.
Foram registrados na 15ª edição do Mundial de masters da Fina, a Federação Internacional de Natação, realizado em Montréal, no Canadá, de 27 de julho a 10 de agosto último.
Lá, a arquiteta aposentada não só derrubou marcas como também desbravou piscinas: foi a primeira mulher de mais de 90 anos a nadar os 200 m borboleta em um Mundial, com 8min52s22.
Também sagrou-se recordista mundial, categoria 90 a 94 anos, nos 400 m medley (14min12s52) e nos 100 m borboleta (3min39s01). Em provas individuais, ainda trouxe ouro nos 50 m borboleta e nos 200 m medley.
Nora nasceu em 29 de fevereiro de 1924 em Fiume, então território italiano (hoje Rijeka, Croácia). Fugindo do fascismo, a família Tausz chegou ao Brasil em 1941 depois de aventuras várias, que incluíram salvar o pai e o irmão de Nora de um campo de concentração de Mussolini.
No tempo de faculdade, dedicou-se aos saltos ornamentais: "Fui bastante boa para nove anos seguidos ser campeã carioca; fui campeã brasileira e vice-campeã sul-americana. Para gasto doméstico, dava", diz.
Depois, o trabalho, a família que construiu com o crítico Paulo Rónai (1907-1992) e as exigências da vida a tiraram do esporte competitivo.
Só retomou como veterana, aos 69 anos. E recomeçou vencendo: mesmo nadando com o pé quebrado, foi campeã no primeiro Sul-Americano de Masters, realizado em Belo Horizonte em 1993.
Hoje suas medalhas e troféus conquistados pelo mundo afora --já foi a seis Mundiais-- enchem gavetas e estantes de um armário no apartamento em Botafogo, onde vive sozinha.
Foi lá que ela recebeu a Folha. A seguir, alguns trechos da conversa:
Minha mãe
"O início da natação foi quando eu nasci. Minha mãe dizia que eu nasci nadando. Nunca ninguém precisou me ensinar a nadar. Eu sempre nadei... A minha mãe, Iolanda, era uma tremenda nadadora de peito. Se fosse hoje, seguramente seria campeã olímpica. Ela era forte, tanto assim que nós, crianças, fazíamos travessias longas, de quilômetros, ao lado dela, no mar. Se a gente cansasse, se segurava nela e ela aguentava. Duas crianças, eu e meu irmão mais velho."
Treinamento
"Normalmente meu treino é assim: 400 m de borboleta, 400 m de costas, 400 m de peito e 400 m de crawl, 1.600 m. Isso porque reduzi dos 2.000 m que eu fazia. Nos últimos meses, quando começou a esfriar, reduzi para 1.200 m.
Treino às terças, quartas, quintas e sextas. Em geral vou a pé até o clube, é mais rápido. Fica a uns 700 metros daqui, mas de carro é preciso dar muitas voltas."
Primeiro Mundial
"Foi em Montréal. Estava com 69 anos. Eu já nadava direitinho, mas não fui primeira nem nada, o primeiro Mundial nunca é assim. Tirei um quinto lugar em peito, mas eram 30 concorrentes, então o quinto não é tão ruim assim. E tiramos um terceiro no revezamento, tinha 16 revezamentos, também não foi tão ruim. Fiquei satisfeita."
Primeiro ouro em Mundial
"No terceiro Mundial em que participei, em Munique (2000), o Gastão Figueiredo e a Maria Lenk me chamaram para fazer um [revezamento] 4 x 50 m medley com eles. E aí ganhamos medalha de ouro. Eu nadei peito, naturalmente. Quando o Gastão me telefonou e convidou, eu não dormi a noite inteira, de tão excitada que fiquei. Puxa, esses nadadores me chamando! Eu devo ser aquele gato do ditado (quem não tem cão caça com gato). Não consegui dormir, de tão honrada que fiquei."
Águas fáceis e difíceis
"Neste Mundial, as piscinas eram transitórias, seriam desmontadas depois. Não havia vestiário nem banheiros, apenas banheiros químicos. Foi meio improvisado. Um dia as mulheres nadavam na piscina melhorzinha e os homens na piorzinha; depois trocava.
Nós já tivemos no Brasil campeonatos muito melhores do que esse.
A água era magnífica, dentro do padrão. Há águas fáceis e águas difíceis. Há águas em que você acha que está nadando em um líquido viscoso. E há águas fáceis, em que você parece flutuar melhor. Não sei dizer porquê, mas isso acontece."
Diversão com recordes
"Eu me divirto muito. Com esses recordes, eu fiquei muito, muito contente, realmente muito contente. Mas, se perdesse, eu não ficaria infeliz de jeito nenhum. Apenas não teria a grandíssima satisfação que tive agora."
Envelhecimento
"Toda a vez que mudo de faixa etária, eu quebro um certo número de recordes sul-americanos. No ano seguinte, eu não consigo quebrar o meu próximo recorde. Isso me aconteceu um única vez.
Eu fiquei tão feliz que pulava até o teto de felicidade. Foi há muitos anos. É tão raro, porque não dá. A gente piora muito. Entre o primeiro ano da nova faixa etária e o último é uma piora incrível.
A gente perde muita explosão, força muscular, resistência cardíaca. Os novos treinam para melhorar de tempo. Nós, velhos, treinamos para não piorar tanto."
Prazer
"Na infância, eu gostava muito de nadar. Até hoje, ao pular na água, me sinto quase como que no colo de minha mãe porque toda a questão de nadar se liga à minha convivência com mamãe."                      
Entrevistada por Rodolfo Lucena, enviado especial ao Rio, pelo jornal "Folha de São Paulo" - publicado em 14 de setembro de 2014.

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