Para médico, livre mercado pode trazer risco à saúde do consumidor
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Em 1989, ao presenciar a distribuição de garrafas de Coca-Cola para alemães orientais, através de buracos no Muro de Berlim, o repórter da "The Economist" Charles Wheelan saudou a ação como prova de força da mão do mercado, que aproveitava o fato histórico da queda do muro para fazer marketing."Mas será que deveríamos comemorar o aumento de cáries e de diagnósticos de diabetes na Europa Oriental?", questiona hoje o médico e pesquisador Peter A. Ubel.
Cientista comportamental da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, ele é autor de "Loucura do Livre Mercado", livro em que argumenta como as empresas exploram a irracionalidade das pessoas em busca de vendas.
Ao tentar desvendar de que forma o subconsciente nos leva a agir contra nossos interesses, Ubel conclui que a falta de regulação do mercado pode provocar grandes crises.
Para ele, essa falta de regras de mercado seria a principal responsável pela epidemia de obesidade que ameaça o mundo, por exemplo.
Dados da OMS (Organização Mundial de Saúde) mostram que o número de pessoas obesas dobrou desde os anos 1980.
A obesidade, defende o autor só se tornou uma epidemia quando a indústria de alimentos desenvolveu maneiras mais eficientes de produzir comida a um custo menor.
"Nossas escolhas alimentares são bem menos livres do que gostaríamos. O próprio fato de rotularmos um alimento como não saudável pode torná-lo mais desejável."
Reuters | ||
Criança chinesa passeia no setor de refrigerantes de um supermercado na cidade de Nanquim, na região leste do país |
Em seu livro, Ubel argumenta que a economia moderna também estimula o endividamento -incentivando as pessoas a terem vários cartões de crédito e a embarcarem em empréstimos que nunca conseguirão pagar.
Essa mesma liberdade de escolha oferecida pelo mercado induziria o consumidor a optar sempre por alimentos industrializados -baratos e calóricos-, atendendo uma demanda por praticidade criada pela vida moderna.
Para Ubel, a profusão de ofertas atraentes do mercado confunde as pessoas, que se tornam incapazes de escapar das armadilhas do consumismo e do endividamento.
"Em alguns supermercados, um antropólogo observa as pessoas fazendo compras e medindo quanto tempo elas ficam em frente a uma prateleira", argumenta.
"A verdade é que você acaba sabendo menos sobre seus próprios hábitos de consumo do que os donos das lojas em que você faz compras."
Lionel Cironneau - 12.nov.1989/Associated Press | ||
Queda do Muro de Berlim (1989), que uniu a Alemanha e ampliou a presença do capitalismo |
Relacionar hábitos humanos aos seus desdobramentos econômicos está na base da da economia comportamental, teoria que analisa fatores sociais, culturais e comportamentais para iluminar, entre outros temas, os caminhos irracionais do consumo.
A partir dos anos 1960, os psicólogos israelenses Danny Kahneman e Amos Tversky foram destaque nessa abordagem de investigar os motivos aparentemente irracionais que explicam como a sociedade lida com a economia.
Ao cruzar dados estatísticos com histórias de pessoas afetadas pela regulamentação branda, Ubel é enfático ao dizer que o problema de deixar o mercado atuar livremente é não levar em conta a natureza das pessoas.
"A liberdade é uma mercadoria preciosa, mas a liberdade de escolha é acompanhada da liberdade de fazer escolhas erradas", escreve.
Na obra, Ubel defende uma série de medidas públicas que podem ser tomadas para evitar o paternalismo estatal sem cair na desregulamentação, como subsídios a marcas que ofereçam alimentos saudáveis e a busca de maneiras mais persuasivas de estimular práticas saudáveis.
Segundo ele, o governo deve intervir e regulamentar empresas, que são recompensadas pela "exploração de fraquezas" -em sua opinião, uma boa política só faz sentido se considerar a natureza humana e suas limitações.
LOUCURA DO LIVRE MERCADO
AUTOR Peter A. Ubel
EDITORA Civilização Brasileira
TRADUÇÃO Rodrigo L. Sardenberg
PREÇO R$ 52 (280 págs.)
AVALIAÇÃO bom
Fonte: Jornal "Folha de São Paulo", edição de 30 de agosto de 2014 - Mercado.
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